terça-feira, 9 de dezembro de 2008

1.1 Delmiro Gouveia

Luiz Gonzaga da Silva nasceu em 09 de agosto de 1919 na cidade de Piranhas (atualmente Floriano Peixoto) e passou sua adolescência em Pedra (atualmente Delmiro Gouveia), município situado no sertão de Alagoas, palco de importantes acontecimentos. A denominação original foi devida à grande quantidade de enormes pedreiras ali existentes. Toda a zona pertencia ao município de Água Branca, cuja posição era estratégica para o comércio de peles entre Bahia, Sergipe, Pernambuco e Alagoas. .

O empreendedor Delmiro Gouveia foi para Alagoas no ano de 1902, convidado pela oligarquia dos Malta. O governador Euclides Malta “lhe prometera taxas mínimas sobre a exportação de couro e peles” . Em 1903, comprou uma fazenda em Pedra, local inexpressivo, onde começou o seu trabalho. É inegável o progresso que levou para a região. Airton de Farias descreve em detalhes o efeito das obras do “Rei dos Sertões”, como era chamado:

“Com a expansão dos negócios do Rei dos Sertões, Pedra obteve notável crescimento. Além de melhorias bancadas pelo próprio Gouveia (como açudes, praças, jardins, postos de saúde, escolas para alfabetização de crianças e adultos, etc.) outros empreendimentos ali se verificaram: farmácias, padarias, bodegas e feiras-livres, entre outros. A população cresceu igualmente. Estima-se que em 1917, ano da morte de Delmiro Gouveia, Pedra tivesse cerca de quatro a cinco mil habitantes” .

Graças ao progresso levado por Delmiro Gouveia, o povoado de Pedra cresceu. Tornou-se cidade independente em 1952. A companhia Agro Fabril Mercantil teve papel preponderante nesse processo. Entrou em funcionamento em 5 de junho de 1914 e ocupava uma área de 20.000 m2. Era a única indústria do ramo das linhas de coser em toda a América do Sul. Com a fábrica, batizada de Fábrica da Pedra em homenagem à cidade, Pedra prosperou, ganhou posto telegráfico, estradas e os primeiros automóveis. A cidade mudou de nome para Delmiro Gouveia após o brutal assassinato do empresário.

Considerado por uns como um patrão despótico e cruel(como pode ser verificado no romance Fábrica de Pedra, de Pedro Motta Lima ),ou como o Mauá do Sertão, por outros, Delmiro Gouveia, indiscutivelmente, levou importantes progressos para a população local como água encanada e energia elétrica, ambas tiradas das cachoeiras de Paulo Afonso.

Airton Farias faz uma interessante análise de Delmiro Gouveia como patrão:

“Delmiro exercia uma exploração mais racional e encoberta da força de trabalho, tal como ocorria, na mesma época, nos EUA. Por um lado, dava aos operários melhores condições materiais de existência –– casas com relativo conforto na vila operária, escolas gratuitas, divertimentos, prêmios em dinheiro ou gêneros alimentícios, aprendizado e aperfeiçoamento técnico para crianças etc. Por outro lado, interferia na vida privada dos empregados e da sua família, mantendo-os sob cerrada vigilância, controlando-os, não lhes dando chance efetiva de liberdade” .

Como se vê, Delmiro Gouveia é uma figura controversa. Mas, inegavelmente, foi propulsor do desenvolvimento econômico e cultural da região.

1.2 Música do Nordeste: um caldo de cultura


No rol dos benefícios que Delmiro Gouveia oferecia aos seus funcionários havia uma banda, que deu oportunidade a muitos de, pela primeira vez, terem contato com a arte musical. Dentre eles, o cantor e comediante Gordurinha, o cavaquinista Índio e Luiz Gonzaga da Silva. Nesta banda Gonzaga aprendeu as primeiras noções de música e estudou tuba e bombardino. Nascido no sertão nordestino, Luiz Gonzaga da Silva não só foi iniciado na formação de músico de banda como era herdeiro direto das tradições populares de sua região: o batuque, o forró, o baião, o xote, o vanerão, o xaxado, o coco. Assim como a cultura ?brasileira?, a música nordestina tem matrizes africana, indígena e européia, com especial destaque para a herança ibérica, caracterizada pela figura do romanceiro, com suas cantigas e sextilhas. Mas o que realmente diferencia a cultura nordestina da cultura de outras regiões do país é a forma como reuniu e aprimorou as matrizes. Na música do Nordeste há poesia e ritmo do cordel, romarias e louvores aos santos, cantigas de arraial, cirandas, um tom jocoso, e outros tantos elementos que compõem a diversidade da cultura local.

Para Mário de Andrade,que na década de 30 percorreu a região com o intuito de mapear manifestações típicas de dança e música, uma forte característica presente no Nordeste seria o tom da cantoria.

“O canto nordestino possui manei
ras expressivas de entoar que não
só graduam seccionadamente o
semitom por meio do portamento
arrastado da voz, como esta às
vezes se apóia positivamente em
emissões cujas vibrações não a-
tingem os graus da escala. (...) O
anasalado emoliente, o rachado
discreto são constantes na voz
brasileira até com certo cultivo
(...) e permanecem muito acentua.
dos e originalíssimos na entoação
nordestina”.

Com traços tão marcantes e próprios, a música nordestina está presente no cotidiano como uma tradição viva, que ultrapassa os limites do folclore.

“Olê muié rendeira,
Olê muié rendá,
Tu me ensina a fazê renda
Que eu te ensino a
namorá.”


Sobre esta tradição escreve Marcos França no sitio Cultura Nordestina:

“A musicalidade sempre esteve muito presente na cultura e na história do Nordeste. Zé do Norte, quando compôs Mulher Rendeira, atribuiu-a a Virgulino Ferreira, o Lampião, que, apesar de pintar o sertão com o vermelho de sangue, também fazia suas rodas de xaxado e junto com o seu bando, animava os lugares por onde passava” .
Sobre o violão, Manuel Bandeira escreveu:

“O violão tinha que ser o instrumento nacional, racial. Se a modinha é a expressão lírica do nosso povo, o violão é o timbre instrumental a que ela melhor se casa. No interior, e, sobretudo nos sertões do Nordeste, há três coisas cuja ressonância comove misteriosamente, como se fossem elas as vozes da própria paisagem: o grito da araponga, o aboio dos vaqueiros e o descante dos violões.”


Na apresentação do livro Luiz Gonzaga da Silva: 20 peças para violão solo, é destacada essa miscigenação, que vai enriquecer a história da música brasileira contemporânea.

“A diversidade cultural de nosso país construiu um universo de significados e expressões particulares de grande força, que se traduzem na essência de nossa própria brasilidade. A riqueza das migrações internas no Brasil, no momento histórico da cidade do Rio de Janeiro como capital federal, proporcionou o desenvolvimento de diversas manifestações estéticas e culturais singulares, num cenário intercultural. Nesse contexto surge a figura do músico alagoano Luiz Gonzaga da Silva, que escolhe o Grande Rio como foco do desenvolvimento de uma trajetória iniciada na infância e adolescência no coração do interior do Nordeste, que exerceu fortes influências sociológicas e antropológicas que enriqueceram seu trabalho como compositor, professor e artesão. Luiz Gonzaga se estabelece no Rio de Janeiro, onde expande o seu fazer musical através de estudos de harmonia e contraponto, de performances em diferentes formações e do ensino do violão em diversas instâncias acadêmicas. Nesse caldeirão de forças, influências e miscigenações, desenvolve uma linguagem particular na composição para o instrumento, que se soma a todo um movimento de enriquecimento da tradição brasileira, que tem o violão como símbolo primeiro de sua expressão musical. A Universidade Federal luminense faz no alvorecer do terceiro milênio o resgate histórico da constituição dessa expressão de nossa nacionalidade.A presente edição oferece vinte peças selecionadas de um acervo de mais de quinhentas obras, na certeza de estar contribuindo para a difusão de um dos criadores e instrumentistas mais representativos da história musical brasileira contemporânea.”